Presença garantida em qualquer lista dos maiores dramaturgos brasileiros, Nelson Rodrigues era uma figura tão complexa quanto seus próprios personagens, com uma vida marcada por sucessos, polêmicas e acontecimentos trágicos.
O precoce
Certa feita, uma vizinha entrou na casa da família de Nelson Rodrigues para fazer uma declaração. Segundo ela, todos ali seriam bem-vindos em sua residência, “menos o Nelson”. É que a senhora havia flagrado Nelson aos beijos com a filha dela, de apenas três anos de idade. Na época, o garoto tinha quatro.
Tuberculose sempre foi um problema para Nelson. Ele chegou a ser internado em Campos do Jordão para se tratar da doença, quando tinha apenas 4 anos. Foi nessa época que ele escreveu sua primeira peça, chamada A Mulher Sem Pecado.
Aos oito anos, Nelsinho participou de um concurso de redação na sua escola. Nelson, sendo Nelson, escolheu o tema adultério, o que colocou sua professora numa situação complicada. Acontece que ela prometeu ler a obra vencedora para toda a turma. Isso obrigou a professora a decidir por um empate, para que ela pudesse ler a outra redação.
Nelson começou a trabalhar como jornalista aos 13 anos de idade. Pior ainda, sua área de atuação era o jornalismo policial. Os tempos eram outros, claramente.
O polêmico
Com o sucesso de Vestido de Noiva, sua segunda peça encenada em palcos cariocas, ele foi convidado a escrever crônicas e textos para um jornal chamado O Jornal. A publicação de nome pouco criativo passou a publicar a coluna de Suzana Flag entitulada Meu Destino é Pecar. As histórias do pseudônimo de Nelson fizeram as vendas do jornal triplicarem e foram compiladas em diversos livros.
Já sua terceira peça, Álbum de Família, foi censurada e só pode ser encenada 20 depois.
Nelson não era exatamente um ícone fashion. Seu hábito de aparecer no trabalho com roupas puídas e amarrotadas lhe renderam o apelido de “filósofo”.
Muito antes do Pânico, CQC e adjacências, Nelson Rodrigues já misturava jornalismo com humor transgressor na TV. Em seu programa de entrevistas A Cabra Vadia, o autor era acompanhado por uma cabra de verdade. O primeiro entrevistado foi o presidente da Confederação Brasileira de Desportos, João Havelange.
O sofredor
Nelson sofria com uma febre intermitente. Um médico sugeriu que a causa estava nos dentes do autor. Esse diagnóstico, que levou Nelson a remover todos os seus dentes, estava errado. Na verdade, tratava-se de uma crise de tuberculose. Mas o estrago já estava feito. Rodrigues foi obrigado a usar dentadura aos 21 anos de idade.
O alinhamento político de Nelson Rodrigues sempre foi estranhamente avesso ao seu discurso dramaturgico. Enquanto suas peças questionavam a sociedade e a inconsistência de seus valores e tradições, o autor era um conservador de carteirinha. A ponto de ter sido um ferrenho apoiador da ditadura. Tragicamente, a mesma ditadura acabou por torturar e prender seu filho por oito anos.
Nelson ganhou na loteria esportiva. Ele e o irmão Augusto decidiram entrar em um bolão com os amigos de redação. Infelizmente, o sorteio aconteceu no dia do seu falecimento.
Ele era torcedor fanático do Fluminense. Acamado, o autor acompanhou pelo rádio a vitória do seu time no campeonato carioca de 1980 contra o Vasco da Gama. A conquista do clube tricolor foi o tema de sua última crônica publicada no jornal O Globo, 19 dias antes de sua morte. Nelson foi enterrado com uma bandeira do clube.